domingo, 14 de junho de 2015

Pega, atira, prende, mata...

- Quantos anos você tem?
- 16.
- Está na escola?
- Sim
- Qual série?
- 4ª série.
- Já usou drogas?
- Sim
- Qual?
- Maconha e cigarro.
- Quando aconteceu o crime, onde sua mãe estava, ao lado do seu pai na cama?
- Não. Minha mãe estava dormindo em cima da laje.
- Em cima da laje? Por que?
- Porque meu pai tinha batido nela e ela não tava conversando com ele.
- Seu pai lhe espancava?
- Sim. Todos os dias.
- Por que?
- Ele chegava doidão do serviço e vinha batendo.
- Ele batia muito?
- Sim. Já desmaiei de tanto apanhar algumas vezes.
- Ele batia na sua mãe?
- Sim. Um dia ele quebrou a fivela do cinto na cara dela.
- Você está arrependido?
- Sim.
- Sente falta do seu pai?
- Não, ele não me dava nada.
- O que ele devia te dar?
- Sei lá, carinho? Ele nem conversava comigo.
- Você estava matando aula?
- Não.
- Mas aqui no processo diz que você estava matando aula e seu pai lhe deu um castigo.
- Eu tava matando aula, mas tava dentro do colégio, jogando bola.
- Onde você conseguiu a faca?
- Em casa.
- No mesmo dia?
- Sim.
- Quando você matou seu pai, ele estava dormindo?
- Sim.
- Mas se ele estava dormindo não estava te batendo.
- Mas ele tinha batido antes de dormir.
- Se eu te perguntar qual a lembrança boa que você tem do seu pai, qual você diria?
- Nenhuma, ele só me batia. Batia em mim e na minha mãe.
- Onde vocês moravam?
- No Morro da Pedreira.
- Certo. Vamos chamar a testemunha, a mãe.
- Boa tarde, senhora. O seu marido lhe espancava?
- Sim, todos os dias. Batia em mim e no meu filho.
- Mas ele batia todos os dias?
- Sim. Já desmaiou o menino, a ponto de ter que leva-lo pro Pronto Socorro, mas não levei com medo.
- A senhora denunciou seu marido?
- Não. Se eu denunciasse, ele me matava.
- Seu filho vivenciou essa situação desde quando?
- Desde criança.
- A senhora se sente aliviada?
- Não.
- A senhora sente falta do seu marido?
- Não. Eu não me conformo com a situação em que ele me deixou.
- A senhora não se conforma com o seu filho ter matado seu marido?
- Não. Eu não me conformo com o que ele fez. Ele não dava carinho, nunca educou. Era só pancada.
- E agora, senhora?
- Agora está nas mãos do Senhor!





OBS: Diálogo real entre uma Juiza da Infância e Juventude do Rio de Janeiro no julgamento de um adolescente que esfaqueou o próprio pai, o levando ao óbito. Juízo, quando o maior exige do menor, de Maria Augusta Ramos é um documentário de 2007 que aborda a realidade do adolescente perante a lei, onde é julgado, com uma defesa frágil e condenado a viver na invisibilidade de sempre, trancafiado, ou no gueto a inexistência.

"Sentenças" possíveis

MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS:
1. Internação no Instituto Padre Severino (Internação em estabelecimento educacional, art.
2. Prestação de Serviços à Comunidade.
3. Advertência
4. Obrigação de Reparar o dano.
5. Liberdade Assistida
6. inserção em regime de semi-liberdade
7. Internação em estabelecimento educacional

MEDIDAS PROTETIVAS

1. Encaminhamento aos pais ou responsáveis mediante termo de compromisso
2. Orientação e acompanhamento temporário
3. Matrícula e frequência escolar em estabelecimento oficial de ensino.
4. Inclusão em Programa Comunitário ou oficial de auxílio à criança, à família e ao adolescente.
5. Requisição de tratamento médico, psiquiátrico, psicológico, em regime hospitalar ou ambulatorial.
6. Inclusão em programa oficial, ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos.
7. Abrigo em entidade.
8. Colocação em família substituta.

As medidas protetivas podem ser aplicadas a crianças e adolescentes, atendendo à família como um todo.

As medidas sócio-educativas podem ser aplicadas a adolescentes em conflito com a lei e possuem um caráter pedagógico, devem explorar a condição peculiar de desenvolvimento da nossa juventude e responsabilizar educando, recuperando nossos jovens que na maioria das vezes são vítimas da omissão de quem deveria lhes proporcionar e garantir a proteção integral: sociedade, família e estado.

Aqui não se propõe o debate entre "ser contra ou a favor da redução da maioridade penal", atividade conclusiva. A proposta é refletir sobre a Doutrina da Proteção Integral, o cumprimento da prioridade absoluta e respeito à condição da criança e do adolescente serem sujeitos de direitos e respeitados por sua condição peculiar de desenvolvimento.

Também não se trata de debate que considere a possibilidade da política de "pega, atira, prende, mata" seja possível. Trata-se, pois, de uma leitura a partir da Doutrina da Proteção Integral, longe do senso comum.

O que medidas adotar?

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